quarta-feira, 20 de abril de 2011

HERÓIS DO ULTRAMAR

(art. publicado no jornal regional CERVEIRA NOVA em 20 de Março de 2011.


HERÓIS DO ULTRAMAR

REFLEXÕES DE UM COMBATENTE

O monumento aos militares de Vila Nova de Cerveira mortos na guerra colonial está, muito apropriadamente, erigido na Avenida Heróis do Ultramar, apresentando os nomes dos militares numa posição rebaixada para que ao lê-los nos curvemos perante a sua memória.
E, aqui humildemente curvado, eu olho para estes nomes e não vejo só caracteres. Medito baixinho, revolvendo os esconsos da memória, e vejo esses soldados, naquelas inóspitas terras de África, caminhando exaustos, com o rosto desfigurado pelo pó e pelo suor, a língua encortiçada pela sede porque a água do cantil há muito se havia esgotado.
Vejo-os, quando dum ataque ao aquartelamento, a sair da camarata de arma aperrada e ziguezagueando a caminho do abrigo, prontos a ripostar a um inimigo que já cobardemente foge.
Vejo-os, quando da chegada do correio, de olhos brilhantes, devorando os aerogramas que lhes levavam notícias da família, dos amigos, da namorada….
E vejo-os… vejo-os caídos naquela maldita emboscada, o corpo varado por uma rajada de metralhadora ou esfacelado pelo rebentamento duma mina, o sangue ensopando o pó da picada e o seu olhar cravado no infinito enquanto se lhes ia extinguindo o último reflexo de vida.
Morreram.
Morreram naquela guerra que não quiseram, mas a que não se furtaram porque a missão do militar não é questionar a guerra mas sim enfrentá-la.
Morreram servindo sob a bandeira da Pátria Portuguesa que, segundo nos diziam, se estendia do Minho até Timor. Estes até eram do Minho e tanto deram à Pátria a troco de tão pouco. Foram humilhados, esquecidos, atirados para o mofo dos arquivos e até houve quem tentasse menosprezar o seu sacrifício supremo. Mas a história escreve-se depois de passadas as emoções e hoje, por todo o lado, a Pátria vai reconhecendo o valor daqueles que, ao seu serviço, sacrificaram a própria vida. Também aqui em Vila Nova de Cerveira, os eleitos do povo a que estes militares pertenceram, esteios democráticos da Pátria, não ficaram indiferentes aos ventos da história e acharam ter chegado a hora de lhes ser feita justiça. Tiraram-nos do anonimato dos arquivos para este monumento onde, por direito próprio, se impõem à consideração e respeito de todos os seus contemporâneos e podem ser apontados às novas gerações como vítimas de uma guerra cujos contornos nunca serão desapaixonadamente esclarecidos; que será conhecida por vários nomes (guerra colonial, guerra do ultramar, guerra de África, guerra de ocupação, etc.), mas que para os militares que a enfrentaram, que sofreram as suas agruras ou que nela morreram, terá sido só uma guerra a que foram chamados servindo a Pátria.
Assim, curvado perante a memória destes soldados, eu olho (e todos devemos olhar) com respeito para este monumento. Aqui não está só granito. Aqui está “sangue” de soldados, filhos desta terra, que no melhor da sua juventude sacrificaram a vida ao serviço da Pátria.

Tenhamos respeito por eles.

A Pátria honraram…. Que a Pátria os contemple.

Manuel Joaquim Faria Barbosa
Veterano de Guerra
Moçambique 1964/65
Cruz de Guerra de 3ª classe

NOTA
No monumento de V.N.Cerveira não constam nomes de militares da Cart. 637 mortos na guerra colonial, mas constarão, com certeza, nos monumentos dos seus concelhos de naturalidade e foi pensando neles que o autor escreveu estas linhas.

Faria Barbosa
2º Sarg. da Cart637

quarta-feira, 13 de abril de 2011

O SOLDADO FONSECA


UM MILITAR DA CART. 637
1963/64


Lembro-me da sua chegada, em finais do ano de 1963,ao 1º pelotão da Cart.637 (ainda em formação no Quartel da Serra do Pilar) ficando imediatamente conhecido por ser primo do Comandante de Pelotão, Aspirante Pinto da Fonseca, sendo eu então monitor do pelotão e comandante da Secção de Morteiros,
 Apesar disso não gozou de quaisquer facilidades, pois o Aspirante Pinto da Fonseca era um militar íntegro, para quem serviço era serviço e cognac era cognac. (Este oficial não seguiu connosco para Moçambique, por motivos de saúde de que viria a falecer pouco depois)
Mas foi pela relação de parentesco com o Cmdt do pelotão que o Soldado Fonseca passou a ser tratado pelo nome e não pelo número como era habitual naquele tempo.
Muito jovem e imberbe assumia-se contudo pelo seu sentido de responsabilidade pois era já homem casado e pai de dois filhos.
Embarcamos no navio NIASSA em 01Abr64, com destino a Moçambique e durante a viagem, feita em condições deploráveis, destacava-se pela sua boa disposição e não sei até se é da sua autoria a letra da cançãoEMBARCAMOS NO NIASSA entoada vezes sem conta quando estávamos em Maúa

1964/65/66
Em Moçambique foi nomeado ordenança do Comandante da Companhia onde, pela sua dedicação e disponibilidade permanente, granjeou a confiança deste e criou uma relação de amizade mútua que havia de perdurar muito para além da comissão de serviço
A par disso exerceu funções no âmbito da sua especialidade (transmissões) sofrendo como qualquer outro as agruras da guerra..

1966/67/ ...../2011


Regressado à Metrópole ingressou no mundo do trabalho, pois tinha casa de família a sustentar, tendo sido funcionário dos STCP e depois bancário.
Foi um dos impulsionadores dos nossos encontros anuais e sempre manteve contactos com os seus ex-camaradas e, principalmente com o nosso Comandante, (Capitão Graça) e família, a quem ficou ligado por uma profunda amizade, e não pode conter as lágrimas quando, em 24de Dezembro de 2008, lhe comuniquei o falecimento desse nosso amigo comum.

Já na situação de reforma e "jóvem" avô é presença assídua nos encontros anuais do Batalhão, onde exalta o orgulho de ter pertencido à CART.637.

.A CART. 637 também se orgulha de todos os seus soldados, nomeadamente o Soldado FONSECA e eu tenho-o como um bom amigo.


Faria Barbosa
2º Sarg. da 637

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Encontro de 2011


Mais um encontro anual teve lugar em 02 de Abril de 2011.
Concentramo-nos no quartel da Serra do Pilar, como habitualmente, onde homenageamos os nossos mortos e dali seguimos para o almoço convívio no restaurante Flor do Paraíso.
Foi um dia agradável em que muitos marcaram presença recordando tempos vividos naquelas terras de Moçambique.
Foi agradável contarmos com a presença da esposa (viúva) do nosso Comandante, D. Maria Benedita Gagliardini Graça, durante as cerimónias na Serra do Pilar, pois também esteve connosco em Moçambique, e a sua presença entre nós reveste-se de um significado especial atendendo à memória do seu marido, Coronel (Capitão) Graça, figura de referência da CART 637, sempre presente no coração de todos os militares desta Companhia.

Faria Barbosa
2º Sarg. da Cart. 637